Comentário

Quotas leiteiras:<br>o desastre anunciado

Miguel Viegas

O fim anunciado das quotas leiteiras para 31 de Março, ou seja, para o final deste mês, levanta um conjunto de inquietações. Este fim trágico do regime das quotas leiteiras acontece apesar de todas as lutas promovidas pelas organizações de produtores, lutas estas que contaram desde sempre com o apoio do PCP, seja no terreno da luta, seja nas instituições, e designadamente no Parlamento Europeu onde desenvolvemos inúmeras iniciativas.

As quotas foram instituídas em 1984, substituindo um mecanismo de suporte de preços que esteve na origem de um enorme excedente que se tornava incomportável para o orçamento da União. As quotas foram calculadas com base num excedente de dez por cento face ao consumo da UE. Garantiam direitos mínimos de produção ao mesmo tempo que estabeleciam penalizações para quem as ultrapassasse, favorecendo já nesse momento os grandes países produtores e prejudicando Portugal.

Ao decidir o fim das quotas, a Comissão Europeia cede às pressões das grandes empresas multinacionais de lacticínios que procuram posicionar-se no mercado mundial, apostando num aumento da procura por parte das economias emergentes.

Em 2008 foi anunciado um mecanismo de aterragem suave, com um aumento progressivo das quotas leiteiras, visando a completa liberalização da produção em 2015.

Segundo os defensores do fim das quotas leiteiras este mecanismo permitiria uma adaptação gradual da oferta à procura, confiando no sempre invocado «funcionamento dos mecanismos de mercado». Entretanto, como sempre acontece, as previsões nunca acertam com a realidade e «as regras do mercado» acabam por ser as dos interesses dos grandes monopólios. Hoje o mercado russo secou e a China começa a desenvolver a sua produção, recorrendo a países como a Austrália ou a Nova Zelândia para suprir as suas necessidades. O milagre das exportações transforma-se num excedente crónico que faz diminuir o preço pago ao produtor.

Balanço ruinoso

Qual foi o balanço desta aterragem suave? Em 2009, os preços afundaram, levando ao encerramento de milhares de explorações. Desde então, a produção aumentou numa minoria de países, sobretudo no Norte da Europa, à custa da diminuição da produção nos países do Sul, designadamente em Portugal, onde estamos a produzir abaixo da nossa quota de dois milhões de toneladas anuais. Mas mesmo nestes países as alterações na estrutura produtiva foram substanciais. O exemplo da Dinamarca é elucidativo. Entre 1984 e 2014, o número de produtores foi dividido por dez, passando de 33 mil para três mil, com uma produção média de 1,5 milhões de quilos anuais, num modelo no qual bastariam 15 mil explorações com mil vacas cada uma para satisfazer as necessidades da UE em leite. Sucede no entanto que muitas destas explorações encontram-se hoje nas mãos de bancos, em função do seu progressivo endividamento. As economias de escala também têm os seus limites…

Ao discutirmos as quotas leiteiras não estamos apenas a discutir instrumentos de regulação dos mercados. Estamos a discutir o modelo produtivo que queremos para a Europa e para o nosso País. O actual modelo de produção intensiva que nos é imposto por esta União Europeia, altamente dependente de todo o tipo de substância químicas agressoras do ambiente e potencialmente perigosas para a saúde pública (adubos, pesticidas, alimentos concentrados, antibióticos etc.), não olha a meios para aumentar a produtividade das vacas, sem nenhum tipo de respeito pelo ambiente e pela saúde dos consumidores. Quem não se lembra do escândalo das vacas loucas e do silêncio criminoso das autoridades sanitárias quando já havia evidências científicas sobre os efeitos nefastos de alimentar vacas com derivados de carne?

Quando o PCP defende a agricultura familiar não é apenas uma questão de classe e de coerência na defesa dos interesses dos pequenos produtores face à voragem dos interesses da grande indústria agroalimentar. Defendemos a agricultura familiar porque só esta garante uma agricultura sustentável, assente na biodiversidade e geradora de relações de confiança entre produtores e consumidores. Só a agricultura familiar garante um bom ordenamento do território, evitando a desertificação de amplas parcelas do território.

Para além de defendermos o direito de Portugal poder produzir o leite necessário para garantir a sua soberania alimentar, devemos igualmente pugnar por uma produção ambientalmente e socialmente sustentável, numa escala compatível com um mundo rural vivo onde todos possam viver do seu trabalho. A luta em defesa do nosso sector leiteiro e da nossa pequena e média agricultura passam neste momento pela exigência na manutenção das quotas leiteiras, o que implica uma ruptura com estas políticas, que não servem os interesses de Portugal.




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